Nasci dia 31 de Dezembro de 1965, estou com
46 anos, e sou a prova viva de alguém que tem como conviver com a epilepsia de
forma leve e feliz.
Este problema se desenvolveu em 2 ou 3 fases da minha vida, mas minha
história é longa e se tornou normal.
Aos 02 (dois) anos de idade, por volta de
1968, tive uma febre que originou a 1ª
crise convulsiva, e com todo o preconceito da
época, nunca me foi explicado se houve ou não mais crises depois desta,
por minha mãe sentir-se culpada pelo ocorrido. Sei que aos 8 anos eu já estava
tomando o famoso Gardenal e meu pediatra, o já falecido Dr. Waldir Fares,
de Orlândia, cidade também do interior
do estado de São Paulo, tomou a iniciativa de fazer um EEG para a retirada do
medicamento, pois acreditava que o tal FOCO ou Disrritimia Cerebral, palavras
indevidas usadas na época, poderia ter sido curada. E foi o que fizemos, e aos
10 anos já estava completamente livre dos medicamentos, mas continuava com a
proteção exagerada de meus pais, sem poder ao menos praticar educação física no colégio que era
uma grande vontade, pois achava lindo o uniforme e queria aprender a jogar
vôlei, mas isso não era possível, e a única coisa que consegui foi aprender a
nadar para não correr outros tipos de riscos.
Aos 12 anos fiquei ”mocinha”, como se
dizia, o que nos dias de hoje seria menstruada pela 1ª vez, e senti todo o meu
corpo se modificar, apesar de sempre ter sido muito magra na infância e
adolescência toda também. Dois meses depois acordei no meio da manhã, na minha cama, com minha irmã chorando muito
e a secretária que cuidava de nós também, como se estivessem me velando. Ela só
perguntava se eu estava bem e que nossos pais já estavam voltando de Franca. Eu
também chorava muito, sem saber porque, meu corpo doía, um enjôo de estomago
horrível e levantar, nem pensar, tinha alguns machucados no corpo, um “galo” na
cabeça e minha boca por dentro toda mordida e ferida. Foi horrível! Com a
chegada dos meus pais começou então uma sucessiva visita a neurologistas, mas
sem sucesso algum. As crises vinham de tempos em tempos, não sabendo precisar
quando, e a volta se tornava cada vez mais dolorosa, porque já entendia e me
doía o corpo, a alma e o coração. Foi então que encontramos um médico na cidade
de Ribeirão Preto, que me reservo o direito de não dizer seu nome, e também não
tenho autorização para tal, e ele solicitou mais um EEG e uma TOMOGRAFIA
COMPUTADORIZADA, coisa que nunca tínhamos ouvido falar, mas em Ribeirão
Preto já existia um dos poucos aparelhos
do país e naquela época, não havia planos de saúde. O exame foi terrível para
uma menina de 14 anos, sem noção do que acontecia, e foi aplicado um liquido,
acho que ” iodo”, que me gelou e esquentou todo o corpo e não permitia me
mover. A suspeita do tal profissional da saúde era que eu pudesse ter um Tumor
no Cérebro por conta de minhas crises não pararem, mesmo sendo espaçadas.
Graças a Deus não foi constatado absolutamente mais nada do que já sabíamos,
então um tio médico cardiologista da cidade de São Paulo, Dr. Clemente de Lollo
Filho, me encaminhou para o então famoso Neurocirurgião Dr. Darcy Freitas
Veluttini. Chegando lá, ele me pediu um
exame para a retirada de um liquor no pescoço e então o diagnostico foi
NEUROCISTICERCOSE, o tão conhecido ovo de solitária. Todos nós assustamos, mas
ficou constatado que são 5 (cinco),
todos calcificados e em
diferentes pontos do cérebro. Aí
se deu a época da revolta:
Passei a não me aceitar, pois, morava em
Atibaia, uma cidade fria, já estava com 15 anos e tinha sido proibida de: tomar
chá, coca-cola, café, bebida alcoólica (nem o cheiro), comidas que continham
bebidas ou licores também eram proibidas, não podia praticar educação física,
quando fosse nadar teria que levar uma amiga ou irmã que soubesse do problema
para me observar, nem ter muito esforço
físico, dormir 8 horas por dia e me alimentar muito bem. Eu estava conhecendo o
mundo, descobrindo a vida, como poderia conviver com os rapazes e garotas da
época assim?... Como contar?... Como ser aceita?... Como namorar alguém e correr o risco
de ter uma crise em qualquer lugar a qualquer hora?... Porque tem tem isso ou toma "remédio para a cabeça" é considerado louco ou coisa parecida. Vieram as indagações e as
revoltas... a vontade de jogar tudo para cima, ou melhor, todos os remédios no
lixo para ver no que iria dar. Chorava muito e não sabia as vezes porque, ou
até sabia, mesmo porque fazia terapia desde os 12 anos, mas não
queria aceitar as diferenças.
Neste período tive dois momentos
engraçados, pelo menos hoje dou risadas e dois muito difíceis de enfrentar no
dia seguinte. Morava em Atibaia, e como estão vendo foram crises estaduais,
nunca nos mesmos lugares, afinal meu pai era bancário, então, eu sai do banheiro depois de um banho quente
enrolada na toalha e ao abrir a porta do guarda roupa para pegar algo para
vestir fui parar dentro dele e quando acordei estava toda machucada, inclusive
o rosto, mas nada grave e destas duas crises hoje dou risadas. As outras, ainda
morava em Barretos SP e uma foi na sala de aula em plena prova, não me lembro a
matéria, lembro que acordei deitada em um monte de cadeiras e meus amigos de sala
choravam sem parar, afinal tínhamos apenas 13 anos. A outra foi aos 14 anos,
também em Barretos, estava indo para o
clube à noite e quando virei a esquina caí. A única coisa parcialmente
divertida é que fui, graças a Deus, socorrida por um casal que passava em um
carro da época chamado Brasília e ao tentarem me colocar na parte traseira minhas pernas
não dobravam, pois estavam enrijecidas e assim me levram para o hospital.
O problema foi no dia seguinte sair na rua e enfrentar os amigos que
vivenciaram isso comigo, tinha muita vergonha, porque alguns me olhavam com
olhar desconfiado e outros me tratavam como “coitadinha”.
Ninguém nunca pode ou deve ser tratado como
“COITADO”, principalmente pelos pais com relação a este problema, que insisto em não caracterizar como uma doença,
apesar de ser e crônica, tem como conviver bem se encontrando o medicamento correto,
o que no meu caso não se acertava, por isso talvez elas vinham e iam tantas
vezes.
Aos 18 anos encontro a suposta Paz, já
morando de volta na minha terra natal, São Joaquim da Barra, e muito, muito
inconformada com meu estilo de vida, porque aí fui “ empurrando com a barriga,”
já que ninguém me forçava a nada porque tinha problemas de um suposto
retardamento mental”, resolvi então não voltar mais ao meu médico de São
Paulo-Capital, e já disposta a não continuar com o tratamento, me dei uma
ultima chance, porque na verdade tinha medo, então fui procurar um médico de
Ribeirão Preto que também atendia em São Joaquim da Barra 02 duas vezes por
semana,o então meu AMIGO, PAI, IRMÃO, COLEGA, E MEDICO: DR. JOSÉ GERALDO
SPECIALI. O seu nome dizia tudo Speciali=Especial.
Lembro-me com riquezas de detalhes porque
chorava muito ao entrar na sua sala, como já se tornara uma constante em minha
vida tanto quando tinha consulta, ou sabia que tinha que fazer EEG e fui clara, mal o cumprimentei fui
logo dizendo:
-Dr.
Speciali, o Sr. é minha ultima tentativa, caso não dê certo, não tomo mais
remédio nenhum, quero viver e viver como uma pessoa NORMAL.
Foi quando ele calmamente, como ainda é até
hoje me disse:
-Lígia, quem disse que você não é normal?
De onde tirou isso?...
Então respondi:
-A vida, os médicos e esta doença que não me
deixa...
Chorei ainda mais contando toda minha
história que relatei aqui acima e ele ouviu TUDO, e respondia com seus hã, hã,
que lhe é de costume e só anotava, anotava, às vezes me interrompia quando não
entendia a cronologia e eu falava e chorava e chorava e falava, contava,
precisava desabafar, tanto que não permiti a ida de meus pais comigo e repetia
sem parar:
- EU QUERO SER NORMAL E VOU SER, O SR. PODE APOSTAR NISSO EU
GARANTO!
Depois de quase 1 hora e trinta minutos
falando sem parar, ele me disse uma frase tão simples, e acredito que não era
aquilo que ele queria dizer, mas foi a maneira que encontrou de me acalmar:
- Quando vamos resfriar nós não espirramos?..É
exatamente isso que o cérebro faz através da crise convulsiva, ele nos avisa
que algo está errado e precisa ser tratado. Vamos dizer simbolicamente que você
tem uma GRIPE CEREBRAL, mas que provavelmente seu tratamento será bem maior.
Quase entrei em choque, afinal,
quando poderia imaginar que um médico falaria isso para mim com a maior calma
do mundo...parei de chorar...
Ele me perguntou sobre os
medicamentos que estava usando, já que nesta época havia saído algumas coisas
novas e o Dr. Darcy tinha feito uma
escala de 3 vezes ao dia e além de tudo tinha isso, era medicada o dia todo.
Foi então que passou os medicamentos apenas para a hora que eu fosse dormir e
me pediu um pouco de calma.
Entre os conselhos que me deu foram:
1-Caso eu quisesse, como já havia
feito terapia, seria interessante voltar, não era obrigatório, mas iria
auxiliar no tratamento.
2-Permitiu que eu voltasse a tomar
coca-cola, chá, café, ir à piscina, desde que acompanhada com uma amiga ou irmã
que soubesse do problema para me observar na hora de entrar na água.
3-Ensinou-me uma maneira carinhosa de
contar para uma amiga, sem chocá-la e sem me sentir tão constrangida.
4-Disse que poderia praticar um pouco
de esportes, mas não muito, porque o cansaço e
o stress físico não me faziam bem, já comida com bebidas não me lembro de ter dito algo a respeito.
5-Liberou-me um brinde no meu aniversário,
por ser dia 31 de Dezembro, mas só o brinde.
Saí do seu consultório com a
convicção que tinha uma Gripe e mais nada, e dali para frente começou minha
grande luta de superação. Porque quem tem uma gripe, pode tudo e eu podia. Saí
feliz, sorrindo. Andava pelas ruas de São Joaquim tendo a certeza que não era
diferente de ninguém. O dia ganhou cor, o céu ficou azul e tudo voltou a sorrir
dentro de mim e pela primeira vez nada tinha sido imposto, apenas conversado.
Acho que minha primeira consulta durou 2 horas, mas em se tratando do Dr.
Speciali isso é normal até hoje, lembrando que já faz 28 (vinte e oito ) anos
que estamos nesta vida. Eu já o abandonei uma vez, mas ele nunca desistiu de
mim e sempre me conheceu muito bem.( haverá continuação...)
Lígia, emocionante sua narrativa...continue escrevendo, voce o faz muito bem...gde abraço
ResponderExcluirBia
Bia, muito obrigada por estar aqui, é muito importante para mim os amigos da terrinha!
ExcluirBeijos
Lígia, incrível... eu a conheço a tantos anos, nunca fomos muito próximas, mas eu jamais soube da sua , digamos assim, gripe cerebral... E vc sempre me pareceu muito dona do seu narizinho... agora te vendo falar sobre limitações, fico abismada... LINDO, vou acompanhar cada pedacinho da sua narrativa, e já indiquei seu blog para uma pessoa que conheço que tem um crises convulsivas.
ResponderExcluirAlexandra, muito obrigada pelas suas palavras, mas nem somos o que parecemos ser(musica) e fiquei muito feliz pela indicação para uma pessoa que passa ou ja passou pelo problema, é sempre bom trocarmos expleriências e superações.
ExcluirA Segunda parte está quase sendo publicada, será entre hoje ou amanhã, é que foi muito difícil para mim, talvez a parte mais dificil de relatar, mas consegui.
Beijo e muito obrigada mais uma vez!
Adorei as histórias aqui contadas
ResponderExcluirTive algumas crises mas não fiz tratamentos nem exames que comprovem