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 Pais em crise com filhos epilépticos*



Urgência. A sensação que invade os pais quando percebem que o filho está sofrendo uma convulsão. É preciso agir rapidamente. Quando não sabem o que fazer, muitas vezes fazem o que não é recomendado. Ou não fazem nada, o que é pior. O fato é que uma convulsão, se reconhecida, causa uma crise enorme na família.

Digo se reconhecida, pois pode acontecer de, por sua sutileza ou atipia, passar despercebida por semanas ou meses. Por vezes é preciso que uma terceira pessoa alerte os pais para determinado espasmo ou comportamento. Ao ser reconhecida como convulsão, e mais ainda quando o temido termo Epilepsia é mencionado, a família costuma entrar em desespero. Não é para menos. Embora não seja assim na maioria dos casos, as Epilepsias, ou melhor, algumas de suas apresentações mais raras e graves podem destruir por completo as chances de um desenvolvimento mental e psicomotor adequado para a criança.

Lembro de um belo bebê de quatro meses que chegou à consulta mensal, de rotina, e de como acendeu uma luz amarela em meu cérebro quando a mãe inocentemente mencionou que nos últimos dias ele estava dormindo pouco e se assustando demais. O assustar-se demais foi o sinal de alerta. Eu pedi detalhes. Ela disse que o bebê a qualquer ruído abrupto ou alto, e, principalmente, quando ia pegando no sono, fazia aquele movimento típico dos recém-nascidos, chamado de abraçar, reflexo do abraço, e mais estranho ainda, às vezes fazia o movimento acompanhado de flexões fortes da cintura pélvica, abdominal e cervical. A mãe descrevia os sinais com naturalidade, talvez um pouco de estranheza, mas sem medo nem sensação de urgência. O pai nem sabia destes movimentos e chegou a dizer que a mãe não tirava os olhos do menino, que devia ser normal. Quando eu disse que precisava da opinião de um neurologista infantil e que podia ser sério, eles entraram na zona vermelha. Tudo virou urgente. O que se viu depois do diagnóstico de Síndrome de West foi uma profunda crise na família. Tudo passou a girar em torno da tentativa de salvar o pequeno João, para o qual não se conseguia controle das crises com nenhuma das combinações de tratamento que foram tentadas. Rapidamente ele decaiu e com dois anos de idade veio a falecer.

Mas, claro, esta é uma situação rara.

A maioria das epilepsias são benignas. Não levam a retardo mental, nem tampouco à morte. E então, por que as crises convulsivas continuam a ser consideradas como urgência médica? Porque durante a crise, principalmente nas crises generalizadas, há perda de consciência, e se a criança não for adequadamente manejada pode morrer por asfixia. O manejo correto exige calma e segurança por parte da pessoa cuidadora. É preciso garantir que a criança continue respirando. É preciso dar-lhe conforto e evitar traumatismos em face, tórax e membros. Se a crise demorar, será preciso removê-la para um centro de atendimento de urgência.

Esta é a grande dificuldade dos pais – manter a calma. É preciso manter a calma nestes casos como é preciso fazê-lo também quando os filhos vomitam pela primeira vez, ou quando caem, ou quando tem febre, levam um corte no queixo, batem a testa, choram, tiram nota baixa, brigam na escola, mentem, xingam, chutam o irmão, namoram,... enfim, os pais tem que tentar manter a calma sempre.

Lembro de outro caso agora, aliás, do tipo mais comum de epilepsia da infância – as crises febris. Por ser o mais frequente, este tipo de crise vive no inconsciente coletivo dos casais mais esclarecidos, e às vezes isto causa crise também, o que chamo de termofobia, medo de febre! Um casal em especial me marcou, pois ainda na consulta pré-natal falaram da preocupação com as crises convulsivas febris. Os dois tinham tido quando eram crianças, e queriam saber como evitar que o filho que ainda ia chegar também tivesse. Sabiam que ele teria risco aumentado de ter crise por causa da herança familiar. Ainda bem que a herança era dos dois, pensei eu, menos uma crise – a da culpa. Fiz as recomendações de praxe, expliquei que não havia sentido em usar medicações antiepilépticas preventivas. Eles tinham termômetros de todos os tipos espalhados por todos os lugares na casa, no carro, nas bolsas, acho que aquela foi a criança que teve sua temperatura corporal mais monitorada de todos os tempos. E tinham também um arsenal de antitérmicos de todas as apresentações existentes no mercado. Pois bem, eles sabiam que a época de maior risco era entre 6 meses e dois anos de idade. Nesta época a vigilância era constante. Frequentemente me telefonaram tarde da noite e madrugada. A cada virose só faltavam me contratar para ficar 24 horas de plantão exclusivo. Sabem o que aconteceu de crise convulsiva com essa criança? Nada. Isto mesmo. Nada. Dois anos depois que ele completou cinco anos, tiveram o segundo filho. Fizeram o mesmo esquema de vigilância. Achavam que esta era a maneira correta de prevenir a convulsão febril. Nada do que eu dissesse ao contrário servia para tirar esta ideia da cabeça deles. Na primeira virose, aos seis meses de idade, o menino teve uma crise convulsiva, eles estavam numa praia a 80 km do Recife. Mantiveram a calma. A crise durou menos de 1 minuto. Chegaram ao pronto-socorro onde eu os esperava. Caíram em prantos. Mas o menino estava ótimo. A neurologista infantil preferiu iniciar uma medicação para usar nos próximos episódios febris. Nunca mais teve crises. O casal continua firme, tiveram mais um filho, uma menina, que também teve crise convulsiva febril. Os dois meninos estudam medicina. A menina quer ser advogada.

Como já deu para perceber, o universo das epilepsias é extenso e diversificado. Do caso do João num polo ao do casalzinho de irmãos no oposto, existe uma enorme gama de variações. A maior parte é controlada por medicações, cada vez mais eficazes e com menos efeitos colaterais, graças à evolução da indústria farmacêutica. A vida de um epiléptico, quando feito diagnóstico e tratamento corretos pode ser absolutamente normal.

E a vida dos pais do epiléptico pode ser sem crises se conseguirem manter a calma diante do diagnóstico e das situações que ele traz. Ainda mais se tiverem o acompanhamento médico correto, com preciso prognóstico e ajuste frequente das medicações de acordo com o eletroencefalograma e as reações do paciente.



* José Carneiro Leão Filho, 50 anos, é pediatra intensivista no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, professor assistente de Pediatria na Universidade de Pernambuco. Também é escritor e blogueiro, seu site é o www.joseleao.com. 

8 comentários:

  1. OLá Leão:

    Meu primo José Carneiro Leão, pediatra na cidade de Recife-PE, amigo e com quem tenho a honra de dividir este blog, afinal sem ele nada estaria no ar.
    Obrigada pela sua contribuição e que me ajude nesta caminhada longa que tenho à percorrer.

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  2. http://www.angelfire.com/oz/foradassombras/epilepsia_e_atividade_profissional.htm

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    1. Olá Manoel:

      Muito obrigado pela sua ajuda no meu blog e fiquei muito feliz por estar acompanhado, eu vou seguir o seu agora.
      Um grande abraço!

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  3. Sou epilética desde os nove anos de idade, naquela época até a pré-adolescência apresentava crises convulsivas. Na adolescência não apresentei crises. Quando cursei Faculdade de Economia fiz estágio no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais. Fiquei um longo período sem apresentar crises. Na fase adulta voltei a apresentar crises convulsivas que se transformaram em "pequeno-mal". Em 1993 fiz concurso para Técnico do Tesouro Nacional (1993 - atualmente denominado Analista da Receita Feral do Brasil). Em 1997 fiz concurso para Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil. Fiz parte do Grupo de Operações Especiais da Receita Federal (1993-2000), quando viajava bastante. A epilepsia nunca atrapalhou minha vida, pois uso remédios controlados. Já subi a Pedra da Gávea, mata virgem duas vezes na década de 80. Fiz nado olímpico durante esse período (2 anos). Ginastica em Academia, Yoga. Tai Chi Chuan‎ (parece ser fácil, mas é muito difícil). Parapente. Atualmente caminhada. Prefiro não me identificar em função do cargo que ocupo, pois um ia mencionei o fato, e a resposta foi "você faz tudo isso, e é epilética?" Em função de tal situação sofri assédio moral, e fui obrigada a entrar na Justiça. Tenho orgulho de ser epilética. Acho o preconceito vil

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    1. Anônimo, fico muito feliz com o seu depoimento, porque apenas quem passa pela situação é capaz de sentir o incômodo das perguntas como esta que fizeram para você ou o olhar de espanto quando dizemos que somos epiléticas ou que tomamos remédios controlados que nos impedem de beber, mas tudo isso , com o tempo vai se tornando uma rotina em nossas vidas e a nossa superação é sempre maior. O desejo de realizar nossos sonhos vai muito além e por conta disso que acredito que se torna engraçado e cultural,
      Nunca sofri profissionalmente por conta dela, mas o OLHAR MORAL doía muito mais, talvez, mas vamos em frente que Ser Feliz é uma questão de Valentia,
      Obrigada mais uma ves e seja sempre bem vindo,
      Abraços

      Lígia

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  4. Ele está bem,nao deu nada nos exames e na tomo,amanhã vou leva-lo ao neuro dele,talvez tenha que fazer um ajuste nos remédios, está tomando hidantal e trilepital,mais acho que ele deveria tomar remédio de pressão, quando chegou ao hospital hoje estava com a pressão bem alta,mais é isso Ligia,domingo passado fez 6 meses que ele não tinha nenhuma crise!A mulher dele disse que ele anda extremamente nervoso, talvez tenha sido isso, o remédio eu sei que ele toma religiosamente nos horários.bjo

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